Viradouro e Vila Isabel foram analisadas.


“E a mãe preta amamentooooooooooou” ah, que momento! Gostoso de cantar como todo o samba nessa fusão de sonhos e inspirações de Luiz Carlos da Vila. Só propiciada pelo dom criativo do autor, presidente Gusttavo Clarão, em seu intento de ligar intimamente duas obras de arte. Adaptação de mestre. É como juntar Rei Lear e Romeu e Julieta num mesmo palco, cena e ato. Shakespeare brindado, mais homenageado que se tivesse um enredo pra ele, como Luiz Carlos desta feita. Interligar duas composições de um notável imagino que seja mais difícil que fazer um samba. A responsabilidade de não denegrir as duas obras é grande. A criação e execução de Gusttavo, o coloca como um pensador de Carnaval, no mínimo. Ele teve um estalo genial. Foi gênio nesse processo. Não vejo tantas glórias ofertadas ao presidente da Viradouro nessa construção, deveria ter mais, acho. Melhor obra do ano. E a campeã de 97 guiada por esse samba catártico só pôde fazer um brilhante ensaio. Muito bom. Nível parecido com os quais fazia nos tempos de acesso, mostrando à época ser de outro grupo, o Especial. Escola orgânica, enraizada, vai de dentro para fora, uma sublevação de natureza. Chegou onde deve estar. E por isso não sente a pressão. Firme, segura como se nada houvesse. Acostumada! Aclimata-se rápido. Enervante deveria ser lá embaixo, agora não. Agora é o reencontro com o habitat. O bálsamo. É hora da festa de gala, vez do terno de linho e a calça branca. Um branco limpinho e passado no ferro da história, engomada pelo tempo. Impulsionada pelo samba e por um Zé Paulo em frisson, a escola de Niterói fez um início de ensaio arrebatador. Canto forte, alto e colaborando o cantor ao agitar as arquibancadas, relembrando os tempos de Caprichosos de Pilares, quando era uma ode à transpiração e energia. Veio no chão chamando os componentes à explosão. Zé merecia isso por tudo que já passou e pelo talento que tem. Chegar ao Especial super motivado. Parece ter chegado a vez dele. O carro de som está em ótima voz. O samba brilhante, como já dito, merece reverências totais. Só para exaltá-lo mais: “Suas coisas transcendentais” é um verso fabuloso, o trecho mais emocionante. Extremamente singelo. Um compositor comum jamais meteria “coisas” no samba. Por medo possivelmente. Mas o gênio vai além. Isso é genialidade objetiva. A simplicidade não crua, mas minimalista. O simples projetado. E “Coisas” é o que melhor traduz a gama de ensinamentos e riquezas que os negros nos deram. “Coisas” é concreto e abstrato ao mesmo tempo. E assim se define a riqueza que o negro nos deu: material e imaterial. No entanto, é importante salientar que se trata de uma obra difícil. É fio da navalha. Uma batida a mais perde melodia, a menos arrasta. E assim se dá o mérito estrondoso da Bateria da junta comandante. Encontraram a batida perfeita, o tempo certo. Marlon e Alessandra Chagas, top no acesso, agora precisam ir além. Grande desafio para eles. Entrosamento, porte e técnica eles têm, mostraram de novo. Espero que sejam julgados na lisura do mérito sem pré-concepção de nota. Seja julgada a dança e indumentária, como deve ser. Sérgio Lobato mostrou muita teatralização na Comissão de Frente e deve ser um ponto alto no dia 15. O coreografo é um profissional de bons trabalhos, essa nova chance no Especial pode fazê-lo ganhar projeção entre os melhores nomes no quesito novamente. Apresentação muito boa e marcante no ensaio técnico. A Viradouro não foi perfeita, teve algumas falhas no tocante à Evolução. Uns e outros Clarões, sem referência ao presidente. Falhas até aqui não vistas nessa temporada de ensaios técnicos. Mas no grosso da história, a Viradouro mostrou seus predicados de campeã do Especial e está de volta balaio, forte e brigadora. Seja bem vinda!

A Vila Vi lá! Gigante como sempre nos ensaios técnicos. Aliás, um trabalho tão esmerado como aqueles de quarta e domingo são transpostos à avenida com facilidade admirável. Com problema, sem problema, a escola sabe desfilar. Comunidade firme e segue, mesmo sem os favoritismos de outrora, um dos melhores chãos da Sapucaí. Chão de taco passado no tacolac. Chão antigo, mas sempre encerado. E esse samba não é fácil, a obra tem um desenho melódico complexo, os compositores não fizeram com preguiça, não foi no automático. E bom que assim seja. O samba é sui generis pelo alto nível poético e proposta melódica ousada. E gosto até do refrão inventado a posteriori da disputa. Tão bonito quanto o resto. O ensaio da Vila foi vestida de escola acostumada aos primeiro lugares. Os dois títulos e as boas colocações dos últimos 10 anos se devem ao corpo sarado da Vila. Corpo esbelto, atlético. Chão em ápice, no elixir da vivacidade. O samba gritado, berrado. A comissão de frente de Jaime Arôxa veio para o encantamento na base da interdisciplinaridade; lúdico-popular. Componentes que quando conjugados nos dão esse binômio de poesia singular. A leveza daquele grupo de bailarinos era para emocionar qualquer um, como se fora um grande espetáculo internacional da Brodway. Os bailarinos não só talentosíssimos, como de feição estrangeira, parecia o High School Musical, Disney. Nem foi coreografia oficial por certo, mas se fosse daria dez sem problema nenhum. Sorte que não sou jurado de Comissão de Frente. Ou azar. Casal Diego Machado e Nathália Pereira crias da Vila e com primeira oportunidade como 1°, depois de 4 anos como segundo e de boas passagens por Tradição e Cubango no Acesso. O envolvimento suave não é só da batuta. Olhando para os dois fica claro. Em relação a 2014, eles parecem mais expressivos, talvez mais confiantes, mais pegados nessa oportunidade única. É um período de transição para eles. Espero que haja paciência aos dois que substituem Marquinhos/Giovanna e Julinho/Ruth, não é um sequencial muito confortável para suceder. Haja pressão! Um ponto importante foi dançar à frente da Bateria. É um posicionamento que deve ser delicioso ao casal, mas no macro é mais complicado para comandar a escola na avenida. Casal e Comissão juntos na cabeça permitem a direção ser dada do início e quase que por automação por parte de quem puxa a escola. Com o casal no meio, um detalhe inesperado mata a evolução. A Vila cantou forte sob a regência do ótimo mestre Walan e carro de som comandado pelo esfuziante Gilsinho. A cabeça da escola se apresentou com garra, mordendo, emocionando todos nós, soltando então a voz na canção, mostrando a dignidade de volta pro ninho. A Vila de novo sorrindo é verso verídico. Os componentes cantavam com os dentes de fora. Houve uma queda sentida na retinha final da escola, nas alas finais. Talvez pelo ímpeto empregado nos primeiros minutos. Muita vontade de fazer acontecer não é o ideal, passa da bola. As últimas alas chegaram cansadas. Dosar energia é fundamental numa avenida com mais de 500 metros. Meticulosidade nessa história faz diferença. Apesar do ótimo canto linear, houve além desse declínio nas últimas alas, algo sentido. Um trecho do samba que não está decorado ainda por boa parte dos componentes: “Na arte retratos da vida, o amor de Ceci e Peri” Tem gente enrolando e mascando chiclete nessa hora. Há uma necessidade de apuro nesse trabalho de saber o samba todo, sem enrolação, nem escapatória. E depende mais do componente isso. No todo, foi quase canto de 100%, difícil achar quem não cantasse o samba. Poucos detalhes separam a Vila das notas dez nos quesitos de chão. Terminando de apurar esse barracão, fechando uns detalhes nos próximos ensaios, a Vila deve melhorar sua posição do ano passado e ir para a luta do sábado das campeãs. A contenda não é mole, outras já mais encaminhadas estão passos à frente, mas com a comunidade que tem não é demais acreditar na possibilidade. O enredo sobre Isaac Karabtchevsky permite essa gravitação entre popular e erudito que deve permear o Carnaval da Vila Isabel. Ensaio dos fortes.

Ranking:

1º - Vila Isabel
2º - Viradouro