Confira!
Foi-se o peru, foram-se os pulinhos no mar, uma comilança ali, um confraternizar acolá. E agora é a vez do Carnaval. Depois de tantos festejos, o que nós queremos é mais festa, mais brincadeira, mais alegria e cariocagens. E o Carnaval é o nosso primeiro aconchego. Uma recusa ao despertar, quase que um final de ano prolongado. Como se não tivesse fim, o 2014 participa de 2015, afinal ele fez muito. Sob a égide da contribuição até decisiva para os destinos bem e mal sucedidos de fevereiro. Em 14, escolhemos nossos enredos, sambas, profissionais, iniciamos os ensaios, agitamos o barracão. Quarta-feira de cinzas a gente mete o papo de 2015. O calendário não concorda. Respeito-o. Mas o rasgaria caso tivesse um em mãos agora. Vamos de 2014 e meio, ou semi-2015. O que importa é ser janeiro, janeiro é o nosso tempo. Verãozão, sensação térmica de 50°, bronze, rainhas, passistas, anônimas, samba no pé, Bateria. Tudo emoldurado numa Sapucaí transcendental. E vamos nessa: mais uma rodada de ensaios técnicos se deu neste domingo (4/01) com a passagem de três concorrentes fortes na briga ampla da Série A. Caprichosos e Estácio com uma longa trajetória no Grupo Especial mostraram seus bons predicados e a Tuiuti deu o ar da graça como grande surpresa da noite.
Inegavelmente, a Caprichosos veio grandiosa. Maior contingente até aqui. Numa ceia seria um chester no pêssego. Rotundo, expressivo, ocupa a mesa toda. Visualmente suntuoso, conspícuo, boladão. Faltou um azeite de oliva, um alecrinzinho, um tempero mais dedicado, uma essência. Algo a ser preparado. Até a virada pode ficar pronto. É verdade que estamos nos primeiros dias de janeiro, saímos de duas semanas quase que improdutivas para as escolas ensaiarem, isso é bom ser dito. E a Pilares teve que rechear esse Chester e usou suas armas. Não quis vir pequena, quis ser grande, nenhum mal. Perde com isso, claro, o labor de uma comunidade compradora de broncas. A pressão é do tamanho de quem recebe. A história de bons desfiles da Caprichosos pedia mais canto, mais leveza, mais sorrisos. Harmonia e evolução serão intensificadas até fevereiro. Frio talvez não seja a palavra. Mas o chester não apitou dentro do fogão. Um tempinho a mais na travessa resolvia. Durante o ensaio, a Comissão de Hélio Bejani foi muito bem, apresentou algum rebusco em coreografia, se fantasiou, estava sincrônica, cantando o samba e tudo. Uma apresentação que já foi uma avant-première do desfile de uma CF esperadíssima. Casal de MSPB (Raessa Alves e Paulo Roberto) tem um mês para treinar intensamente, e com Marcella Alves comandando os dois já dá um alento de provável sucesso. Thiago Britto muito bem, como sempre. Firme, sem viés de queda e entrosado com seu carro de som. O samba talvez não seja do nível esperado, deixa algo pelo caminho. Mas está dentro do enredo e não deve deixar buracos de entendimento com aquilo que será visto na avenida. Aliás, o que se mostra no barracão é de um Carnaval fantástico se avizinhando, pelo menos em critérios plásticos. Soluções diferenciadas e um Leandro Vieira reconhecido lá na frente, conjecturamos. Um dos melhores barracões da Série A até aqui, sem dúvida. No entanto, só barracão não ganha carnaval, vamos ver o impacto do dia. Viradouro já ganhou carnaval com alegoria que não era nada no barracão e virou tudo na pista. Do mesmo jeito que já vimos tudo virar nada. O enredo quer ser Caprichosos, quer ser brincalhão, quer ser tirador de sarro. A avenida vai nos dizer se a irreverência veio do cerne. Ser irreverente não é fácil. Os atores das antigas diziam que é mais fácil fazer chorar do que rir. Um humorista vive na corda bamba do encaixe da piada. Encaixa; gênio. Não encaixa; mala. Antes do bom humor vem a espontaneidade. A Caprichosos pode nos mostrar isso. O "Tem bumbum de fora para chuchu" foi um invento dos notáveis caprichosos Almir de Araújo e parceria, compositores dos bons. Não tinha na sinopse, não tinha no enredo, e surgiu. Veio por vir, como faz o vento, e se tornou um dos versos mais benditos do Carnaval. A azul e branco tem mais de 30 dias para melhorar os quesitos de chão e tem caixa e comunidade para isso.
Uma coroa de São Cristóvão enxuta com muito viço, charme e elegância. À vontade, em casa. Vigor danado de uma jovem senhora que paira numa avenida mágica como se fora numa feira dos nordestinos, rindo e paquerando. Uma ida ao bosque da Sapucaí como na quinta, em pleno domingo de família com as crianças. Boa vista de São Cristóvão também pode ser a Tuiuti na avenida em fevereiro. "Paraíso que sempre quis". Escola de comunidade arraigada, gente brava, disposta a reeditar a catarse de Portinari em qualquer hora dessas. Faltava apenas um elã a mais para voltar à baila das boas do acesso. E desde o ano passado, parece uma nova realidade na Tuiuti, disputar de igual para igual. Indo no barracão, a perspectiva é de Carnaval dos imponentes e quase pronto nas mãos do experiente e acostumado a vitórias Jack Vasconcelos. Tem tudo. No detalhamento dos quesitos é bem servida, a começar pela Comissão de Frente do Júnior Scapin, profissional de nome, com bons trabalhos e já campeão do grupo. Grupamento todo fantasiado, mascarado, nas cores da escola e com apresentação muito atraente ao público. Casal de MSPB Jakelyne e Vinícius Pessanha não foram beneficiados pela condição climática do momento, soprava um ventinho, o que sempre dá uma atrapalhada. Simpáticos, boa postura, conexos. Aliás, conexão desde sempre, irmãos que são. Algo a melhorar? Evolução. Por ser um ensaio é natural que haja um embolo, uma desordenação, vai sempre acontecer, não tem jeito. O nível de concentração nunca é o mesmo. Apostemos em bons ensaios de bairro para solucionar, nada a temer. Mas é fundamental corrigir essas dispersões pontuais. No carro de som, Daniel Silva trovão, das melhores vozes do Carnaval. Para a festa, acostumada a puxadores e verdadeiros carregadores de samba (Com todos méritos também), poder presenciar um Daniel com essa qualidade vocal é para emocionar. Não tem gata difícil se Daniel cantar um Julio Iglesias, num quarto à luz de velas, em noite de queijos e vinhos. Ademais, o cantor segura o tranco e leva o samba à frente, e mais uma vez assim se deu. O samba, por sua vez, é ótimo para desfile. Clássico de avenida. Dois refrões fortes e bons trechos. Não é uma perfeição, tem uns encaixes equivocados, mas é valente e agradável. E principalmente didático ao enredo sobre o aventureiro Hans Staden e suas passagens aqui no Brasil e peripécias com os tupinambás, que o aprisionaram e quase o fizeram de ceia. Inclusive, enredo mega carnavalesco e não ordinário, o que é fabuloso. É claro que tudo se resolve na avenida, mas o binômio Ensaio técnico-barracão bota a Tuiuti com todas as condições objetivas de ser campeã da Série A.
Chuva e Estácio de Sá firmaram uma parceria bem sucedida nesse domingo. E se parecem. O sucesso estaciano é como a chuva. Previsível e imparável. E bem-vindos sejam em época de quentura, no clima e alma. Papo de grandeza exalada. Contingente forte, canto e organização lineares. Um chão de ladrilho hidráulico, firme, bonito, vintage, tudo de melhor. Estácio sendo Estácio é o que todo mundo quer. Harmonia e evolução sem retoques, só continuar treinando e meter a fantasia no corpo. Perfeitos. Samba na ponta da língua, muita espontaneidade e alegria no evoluir. Sambão. Muito bom, dos melhores da série. "Se você quer matar-me de amor que seja aqui" deve ser o melhor trecho de sambas no ano. Um casamento lindo de melodia e letra nesse momento. Miscelânea de poesia, catarse e grito de prazer. Verso versante! No entanto, o andamento foi acelerado, é um estilo da Bateria. Curto o samba acelerado, prefiro desfilar assim até. Não sei se é uma visão geral, tem gente de todas as idades no corpo da escola e que podem fatigar. Alguns versos são cantados em muita velocidade como "o berço do samba eu sou". Não é algo a ser reparado, pois é uma característica mesmo. É modus operandi e deve ser respeitado. O que pode ser melhorado é o entrosamento do carro de som. Quinho chegou agora, tem o Vítor Cunha também, além de Dominguinhos e Leandro Santos. Um quarteto de ótima capacidade, mas pode ser mais do que foi nesse domingo. Faltou harmonia entre toda essa turma talentosa. No mais, os quesitos muito bem destinados. Casal é top do grupo, já levou prêmios importantes. E diante da chuva fez o que deu. Mas só pela forma, pela segurança, mansuetude no dançar dá para ver que é casal de nota dez, ou capaz disso. Marcinho foi um substituto a altura do Daniel Werneck, agora da Grande Rio. Comissão de Frente sob comando de Cláudia Motta não apresentou muito, talvez nada, do que será feito na avenida. Ao menos apresentaram muito samba no pé, que é uma baita carta de intenções do enredo sobre os 450 anos do Rio de Janeiro. Mais carioca que samba? Nunca vi. Rótulo correto do ensaio é homogêneo. Escola equilibrada em nível alto, componente de candidata ao título. Bater na trave faz isso. Vai moldando, matura, a juba já esvoaça. O leão saindo da jaula indo para a selva. Não foi surpreendente. Foi esperada e prazerosa, como a chuva de verão.
Ranking:
1º - Estácio de Sá
2º - Renascer de Jacarepaguá
3º - Paraíso do Tuiutí
4º - Alegria da Zona Sul
5º - Caprichosos de Pilares
6º - Inocentes de Belford Roxo
7º - Santa Cruz
8º - Unidos de Bangu
9º - Em Cima da Hora