Confira os comentários de Luiz Felippe Reis!
DOMINGO
BEIJA-FLOR - Empunhado pela história antiga e recente, carregado pelo retrospecto e pela sinergia nilopolitana, só posso servir de instrumento contra as forças do mal que “não se conformam com a exuberância da azul e branco, sempre perseguida independente do que aconteça. Colocada no tronco, a escola é açoitada”. ‘A Beija-Flor é protegida por alguém, não sei quem, talvez por eles’. É, eles. A boa terceira pessoa do plural evocada para designar algum inimigo oculto e por certo inexistente. Sem extremismos, sem parafrasear as megalomanias endêmicas que existem por aí, a Beija-Flor não é perseguida, é admirada. E, sim, causa inveja. Inebria, presenteia insegurança aos postulantes mal sucedidos ao vértice da hierarquia, onde a Deusa é ponteira. E a Beija-Flor não é protegida, ela se protege com trabalho. Ensaio longevo dentro da quadra. Pesado. Chega na Sapucaí fica mole. Brincadeira de criança. É disciplina de raiz. E o samba não é o pior da história da humanidade, tem valências. Assim como o enredo não é ruim. Falar de Boni e de comunicação nos dará um carnaval tecnológico, inovador, fora do ordinário, como eu sempre torço para ser. A Beija-Flor quer fazer acontecer, e com isso ensina. Com boa didática, nos mostra como evoluir em perfeição e cantar a plenos pulmões sem declínio, de cabo a rabo, e debaixo de um toró danado. A chuva me parece ter emoldurado uma pintura em matiz. Luz, sem trevas. Quadro dos anjos, uma mensagem celestial. Os espiritualizados hão de crer em presságio, sinal divino, um sacramento. Outros, menos crentes, vão dizer que apenas choveu pra caceta mesmo, na frieza da visão cética. O consenso é que a Deusa da Passarela arrebentou de novo. Ao longo das alas, é possível notar o trabalho aplicado dos soldados da harmonia, presentes em todos os momentos, impedindo qualquer falha nos espaçamentos. Os próprios componentes, acostumados, orientam os menos ordeiros. O alinhamento não pode ser ferido. Imagina só, prejudicar a escola. Enquanto nas co-irmãs, neguinho fala no celular, branquinho conversa com o amiguinho. Essa é a diferença. A Beija-Flor é apaixonada por si mesma. São centenas, ou milhares, de Laílas espalhados nas alas, preocupados em não falhar, em se exaltarem como a melhor. São os pequenos ossos de um corpo gigantesco. É a pluralidade singular da maior campeã do século. Harmonia e Evolução - 10 de olhos fechados. A Comissão de Frente, super aguardada e ansiada por nós, veio tímida. Os comandados por Marcelo Misailidis serviram como guardiões de Selminha e Claudinho, na maior parte do tempo. Claro, apenas um simulacro para a gente. Um gostinho de quero mais, uma colherada na panela de brigadeiro. O granulado só no dia oficial. O casal é perfeito, tem tudo para repetir as notas 10 de 2013. Nem me ponho a alongar mais, eles são conexos de maneira transcendental. Selminha e Claudinho são instituições da folia, e não imagino desfile sem eles. Sobre o samba, eu particularmente, acho a obra muito bem construída na melodia. Ideal para desfile, com destaque acentuado para o “Claaaareooou” Emocionante. Convida o público essa história aí. Desde a eliminatória, sou apaixonado pela primeira do samba. Trata o enredo sobre a comunicação com romantismo. Poético demais, na letra e na melodia. Remete à comunicação mais importante, a rudimentar. Aquela do dia-a-dia, da troca de olhares, do falar, da amizade, do amor, da paquera, da inter-relação, característica precípua da vida em sociedade. Escrever seu nome num papel// Eu e você, em sintonia seja onde for// No infinito ao teu sinal, eu vou// Leva desejo divino, divino desejo me leva// A encantar a arte no seu olhar// Em separado, eu daria nota 10 tranquilamente na melodia. A Beija-Flor é favoritaça, mesmo com um lado a comunicar e um outro que comunicou. Só botar a fantasia no corpo, as alegorias na pista e esperar a quarta de cinzas, numa esperança alta para o sétimo título em 14 anos.
UNIDOS DA TIJUCA – Eu sou acostumado, enquanto criança e adolescente, já acompanhando os desfiles e o carnaval, com um pavão tímido, sem erguer seu resplendor. E de 10 anos pra cá, no mínimo, a Tijuca robusteceu-se em larga escala. Aumentou o corpo, e o melhor, né? Buscou crescimento por trilhos próprios, sem querer se beijaflorizar. E sinto, inclusive, que a própria Beija-Flor reconhece na Tijuca a adversária mais consistente. Outro dia, numa entrevista ao site Carnavalesco para o amigo Rodrigo Coutinho, o Laíla fez questão de enfatizar que ia deixar o chão pegando fogo pra Tijuca. Já vi o próprio diretor de carnaval deixando no ar, nas entrelinhas, algumas críticas ao estilo Paulo Barros de desenvolver desfile. Inclusive, a campeã de 2012 possui ótimas chances de ultrapassar a Beija-Flor no Ranking da Liesa. Só precisa de um terceiro lugar, mesmo que a azul e branco vença. Essa rivalidade não aberta, se fez real nesses ensaios de domingo. E se a Beija-Flor foi a que mais me encantou nos quesitos técnicos, a Tijuca me pegou de modo pessoal, me enterneceu pelo entendimento de que é importante treinar e dar espetáculo. Rodrigo Negri, coreógrafo – ao lado de Priscila Mota - da Comissão de Frente, falou comigo na concentração com um sorriso no rosto, felicidade expressa, conquistada em trabalhos acumulados de 4 anos. “Hoje não vai ter nada de 2014”. Ao mesmo tempo em que ouvia a frase, a princípio negativa e passível de um “que pena”, olhei ao fundo e vi a troca de roupa mágica, as cabeças caindo, a sanfona. Até o Thor, do fio de nylon, me comoveu. Todas juntas, numa só. Encontro lúdico dos melhores momentos da Tijuca, num poutpourri de emoções vasculhadas do baú da memória. Um presente para quem foi na Sapucaí. Na sequência outro brinde maneiríssimo. O casal de MSPB, Julinho e Ruth, veio caracterizado de Dick Vigarista e Penélope Charmosa. Simpatia total, a cara do que é a Tijuca. Simpática, alegre e surpreendente. A dança dos dois é das melhores também. A azul e amarelo, quando foi às compras, acertou muito aí. Julinho, hoje é o melhor Mestre-Sala do carnaval. Presto uma atenção além quando ele dança, confesso. E a Ruth é detentora de um garbo ascensionado. Coreografia, possivelmente não oficial, muito bem executada e bem divertida. Parecem que já estão integrados à escola. O samba, dito um dos mais fracos, aconteceu, fluiu bem, com um carro de som de craques. O Tinga, ótimo, conta com Thiago Brito, Celino Dias e outros. O início da escola não foi dos melhores, mas não deixou a desejar e não me pareceu capaz de tirar algum décimo, caso fossemos aplicar uma nota. Do miolo para o fim, a comunidade tijucana cantou forte, e evoluiu com bastante desenvoltura. Nivelada com a Beija-Flor em alguns momentos, em outros não. No samba, o destaque positivo é o refrão do meio, o que já se vislumbrava desde sempre. Notadamente nos versos: Tentando trapacear//Deu mole, rodou na pista//Ficou para trás o vigarista. Uma pena o restante da obra não seguir o mesmo patamar. A evolução foi impecável. Andamento uniforme, com espaçamentos iguais em todos os grupos, distribuição padronizada dentro das alas, sem que houvesse um rigor espartano, não impedindo, portanto, o evoluir espontâneo. Ali é 10 na causa. E se pudesse dar um ponto-extra no quesito evolução, entre Beija e pavão, eu dava para a Tijuca. Ensaiaço também! A Tijuca está registrada em cartório como favorita ao título, sem dúvidas. A velocidade, enredo solto, tem tudo para potencializar o trabalho do Paulo Barros, e aí o genial carnavalesco, escondido em 2013 numa viagem soturna à Alemanha, pode aparecer de novo e levar à azul e amarelo ao terceiro título em cinco carnavais.
SÁBADO
PORTELA – A Águia voltou à ativa, à caça, à captura depois de 15, 20 anos sem exercícios, se alimentando mal, fumando, bebendo e prevaricando. E as primeiras definições musculares já aparecem de novo. A Águia está sarada. Musculatura em dia novamente. Uma águia que não mais espera a serpente posada na pedra. É a rapina malandra, à espreita, só no aguardo de um Beija-Flor errante, um tuiuiu vacilão, um pavão de bobeira. Eu, apenas mais um na cadeia alimentar, não duvidaria de uma Águia renovada em viço e vigor, pronta para botes surpreendentes. A vaidade lida com o que é vão, pouco valoroso, descartável, inútil muitas vezes, embora carregue consigo uma objetivação central dos homens, a da auto-afirmação em sociedade. Surjam os antropólogos e filósofos ao debate. Mas quero ver mesmo quem vai dizer essa parada para o portelense. A Portela gosta de se mostrar. Nenhum mal. É orgulho. E logo para dar imponência ao ensaio, uma águia nervosa, cercada por 21 estrelas. Como tripé, foi melhor que alegorias que vi em carnavais recentes da azul e branco, dado-me aqui o direito ao exagero, claro. Melhor proporcionalmente, que seja. “Um Rio que passou em minha vida” climatizou de modo celestial. Comissão de Frente, comandada por Gislaine Cavalcanti, muito bem. Evidenciou a coreografia oficial de desfile, por sinal muito bem executada. Uma coreógrafa que passou alguns anos dando canetada deve saber bem os caminhos, sabe exatamente o que o jurado quer para um inexorável dez. Trazida por Vilma Nascimento, Daniele empunhou o pavilhão e bailou sob os olhares da mamãe coruja. E gosto muito do Diogo, o rapaz é esguio na dança, ensaboado, como diriam os mais analógicos. No transcorrer do ensaio, a harmonia me pareceu linear, com exceção feita a duas alas com empolgação e canto abaixo das outras. E convenhamos, o samba da Portela não é dos mais fáceis de cantar. Sempre esteve em suspeição sobre seu verdadeiro potencial de avenida. Não é o samba da Grande Rio, por exemplo, que vai no automático. O da Portela é melodicamente complexo, extremamente bem trabalhado, como tem sido nos últimos anos. E funcionou. A evolução da Portela mostrou-se ordenada na maior parte dos momentos, sem embolações, com coesão. Gostei. Alguns erros foram detectados como um ou outro buraco nas apresentações de casal e nos recuos da bateria – saída e entrada – mas de modo geral uma escola organizada, bem agrupada. Sem maldade, claro, os convidados - aqueles com camisas de ensaio - mas que não participam de nenhuma ala, usam a arma do corpo presente no espaço para atrapalhar. E assim o fizeram com a Tabajara em alguns pontos, espremendo os ritmistas e atrapalhando a evolução do grupo. A Portela, optou por uma distribuição pouco compacta dos componentes, mais espaçada na avenida, o que deu a impressão de uma azul e branco gigantesca, o que de fato era, mas não tanto quanto aparentou. Essa estratégia afasta do referencial do carro de som os componentes das últimas alas, o que prejudica harmonia e evolução no ensaio técnico. Tática inversa adotada pela Mocidade, que preferiu compactar. Respirando novos ares, a Portela já se mostra reerguida no barracão, na avenida, na raiz e na alma.
IMPERATRIZ – A frieza da técnica perfeita, perseguiu, como rótulo, a rainha de Ramos. Odiada enquanto ganhava, a verde e branco foi esquecida pelo público, por alguns carnavais aquém da chancela Imperatriz. Antes vaiada pelo povão, agora a ideia é renascer como a mais popular, e tem sido feliz no objetivo. Homenagear Zico, simplesmente o maior de todos da maior de todas, é uma transição profunda para uma escola que curtia apenas uma realeza, um nobre, um luxo pelo luxo. Deixava para lá o plebeu. Sem perder a identidade, a verde e branco quis uma realeza popular. Com o rei do povo. Mesmo quem não é torcedor do Fla, reconhece o Flamengo como o clube de maior apelo emocional, seja no amor ou no ódio. O Flamengo é de fato um captador de paixões tórridas, e vemos isso no samba com um “dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe ô” Refrão catártico. Eu confesso que fiquei a madrugada inteira entoando isso daí. É bom, funciona, como eu sempre imaginei e torci. Liberdade Liberdade, abre as asas sobre nós veio que veio para libertar, para dar suavidade a quem sempre foi pesado. Abriu a festa com leveza. Quero destacar negativamente a Comissão de Frente, comandada por Débora Colker. Descompromisso. Os bailarinos rindo, debochando, falando, não cantando, sem foco, sem coreografia, em plena cabine de jurados. Um desrespeito completo, desonra até. Foram lá para nada, para passar e cumprir alguma coisa, que não a missão deles. E a expressão do Diretor de Carnaval, Wagner Araújo, me passou que não concordara com aquilo ali. Pega as 11 da Série A, e as outras do Especial, e foi a pior comissão disparada. No dia oficial pode ser 10, hoje nem é digna de nota. Para equilibrar as coisas, o casal Raphaela e Phelipe veio incrível. Ele, flamenguista, veio com uma camisa do Mengão e conclamando ao ensaio, chamando as frisas e as arquibancadas ao cantar. O casal foi nota 10 até onde pude acompanhar. Super entrosados, bailado bem executado, com segurança, sincronismo. Apresentação de gala, e das melhores até aqui. O canto não me pareceu variar muito. Houve, sim, uma explosão evidente que o refrão principal propicia, mas as outras partes do samba também foram cantadas com boa empolgação. A evolução foi um ponto problemático da escola. As alas embolavam por demais, em vários momentos. Não houve uma coordenação nas alas, os “harmonias” não pareciam muito preocupados em manter o padrão e a ideal distribuição dentro das alas. No geral, um ensaio com problemas, mas de bom nível da Imperatriz. A verde e branco parece encaminhada a uma nova briga por uma vaga entre as seis. Claro, para isso, vai precisar derrotar União da Ilha, Grande Rio, Portela, Vila Isabel e Mangueira. Três dessas pelo menos. Mas vamos esperar, né? Treino é treino, jogo é jogo. Carnaval é na avenida e já está aí, e a Imperatriz promete coisa boa.
RANKING
1 - Beija-Flor
1 - Beija-Flor
2 - Unidos da Tijuca
3 - Mocidade
4 - Grande Rio
5 - Salgueiro
6 - Portela
7 - União da Ilha
8 - Mangueira
9 - Imperatriz
10 - São Clemente
11 - Império da Tijuca