Confira!


Foi aberta – agora de verdade – a cortina do carnaval. Eu sou apaixonado pelo acesso, gosto da superação no barracão, com as esmolas subvencionais; curto as comunidades sorridentes e fieis; os presidentes abnegados, confiantes em excesso, até cegos às vezes. Tudo isso é parte do folclore. Tenho até medo, com a construção da Cidade do Samba 2, que percamos todas essas nuances, toda essa poesia popular. Não vou aqui defender os barracões insalubres, precários... nada disso, não. Longe de mim. Quanto mais potencializarmos a festa, melhor. Mas o acesso sempre foi lírico pelas dificuldades. Desculpa, Especial, mas o acesso é mais mágico, é lúdico além, transcendente, ascensionado por algum chamamento celestial. No entanto, para o povão, o maneiro são os desfiles das grandonas, e confesso uma certa concordância aí. A festa se faz pelo povo, e o povo aclama e determina: O Grupo Especial é o que nos move. E um público apaixonado lotou os setores 1, 2, 3, 4, 5, 6... até o setor 354 estava lotado, numa dessas aí. Carnaval está aí, minha gente. Catarse purinha.
 
MOCIDADE INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL – Presidente afastado, barracão atrasado, retrospecto recente ruim, escola ascendida do acesso elogiada. A lista é extensa. Poderíamos citar alguns ingredientes nessa receita de bolo mal projetada. Um bolo do mal, de chocolate amargo – desculpa quem gosta – sem cobertura, sem chantily, sem velinha, sem fios de ovos, sem fermento, sem cereja e sem festa. Medo. Quem é Mocidade tem medo em 2014. Parece-me palavra de ordem. Aprendi uma vez, vendo um filme, que apenas um sentimento supera o medo; a esperança. Vi esperança no ensaio da Mocidade. Vi gente feliz, engolindo o temor e deixando a esperança tomar, invadir e contagiar. Uma comissão de frente, comandada por Sergio Lobato, totalmente simpática, interagindo intensamente com o público, caracterizados em trajes de quadrilha, celebrando a festa junina, remetente direta a Pernambuco. Uma quadrilha do bem querendo unir público, Sapucaí e escola. Energia positiva de início para climatizar. Impressionante como o grupo de Jaime cantou o samba e conclamou ao ensaio. Confesso, naquele momento, esquecer de liminar, administração, finança, ferro, madeira, rebaixamento ou apuração. Sorri e falei com alguém ao meu lado: “Que maneiro, cara”. Lucinha e Rogerinho, com a coreografia oficial de desfile, foram singulares, como sempre. O erguer da bandeira é ousado e merecedor do 10 de cabo a rabo. Vieram as alas. O canto se manteve muito bom do início ao fim. Claro, alas melhores, outras abaixo. Normal. Unidade de empolgação nunca existe. Harmonia e Evolução da Mocidade no desfile 2013 foram boas, apesar das notas. A escola, em primeira análise, entrou num trilho do pré-julgamento, do olhar torto por antecedência. Caminho difícil de desviar e trilhado por anos de carnavais indigentes. No ano passado senti isso. Algumas escolas começavam com 10, e a Mocidade me pareceu começar sempre do 9.9. Uma pena. Pelo ensaio, a Mocidade está trilhada para o 10 em Harmonia e também em Evolução. Os problemas nos dois quesitos foram mínimos, e foram, ainda, suprimidos pela empolgação, pela disposição, pelo comprometimento em fazer bonito. Diferente do Rock In Rio, Pernambucópolis nos traz a confiança maior de sucesso, não garantido claro, mas pressagiado. O samba – pra mim – melhor de todos, como dizem por aí “serviu”. Serviu numa bandeja de esperança o orgulho do independente. Orgulho de ser grande. Não vi ninguém ali querendo não cair, percebi a pompa de quem é pentacampeã do carnaval. Superioridade reavivada, sem falsa modéstia. Dudu Nobre claramente imerso naquela sinergia verde e branco, em pé no carro de som, foi destaque. Ensaio irretocável, e bem acima das outras que a sucederiam.
 
UNIÃO DA ILHA – Enredo falando sobre o Universo Infantil nos traria a Ilha de volta, ou vai trazer, não sei. O barracão é auspicioso a um bom desfile. Um carnaval de alegria essencial, de natureza fofa, singela, meiga, leve. Mas hétero, não confundam. É a meiguice da infância, da inocência, dos sentimentos puros, do mundo colorido e ideal, sem tanto canalha. Um enredo CEP. Homenagem a um estado de espírito. Estado de nós mesmos, Colonizado pela brincadeira, libertado pelo sonho e industrializado pela educação de casa, dos pais. Tudo 100%. Mas no ápice da trakinagem, a bola furou, o cavaleiro do zodíaco ficou sem a perna, sumiu a pecinha do Quebra-Cabeça, o Mário Kart não está rodando. Talvez falte assoprar a fita. A Ilha, que propõe brincar, não brincou. Quem brincou mais, veio antes. De início, uma Comissão de Frente, comandada por Jaime Aroxa, escondeu o jogo legal, e com razão até. Pude ver alguns ensaios na Sapucaí dessa Comissão e dá para garantir que vem um trabalho boladíssimo por aí, comissão das boas neste 2014. Fico no aguardo esfregando as mãos. O casal Cristiane e Marcinho veio poético. Ambos de estudante, numa caracterização perfeita, a perceber a carinha jovial dos dois. Eles demonstram ter conquistado um entrosamento e parece haver cumplicidade também. O bailado deixa isso à mostra, energia boa visível. O canto foi padrão, com o samba entoado por 90% da escola possivelmente. Foi diminuta a potência de agir, como diria Espinoza. Eu, menos filósofo, afirmo que faltou se divertir, se apaixonar pelo samba. Obra que não fluiu como eu imaginei que pudesse. A primeira do samba até o verso “na vitrine vejo o meu olhar no seu olhar” é o elixir do desânimo. E a segunda se arrasta até o ”tá na hora, vamos simbora”. Nesses dois momentos citados acima, a escola sobe os decibéis do canto, emerge e canta com bom ímpeto os refrões, embora o refrão do meio não tenha contado com muita pegada também. Ainda confio no samba da Ilha, pode dar pé. Torço. Esse carnaval merece. E o Alex de Souza merece mais do que qualquer outro um carnaval à altura do seu talento. Um destaque positivo, dos vários que podemos citar, foi a insulana se propor a colocar blusas diferentes para cada ala, nenhuma era igual a outra. Uma ousadia elogiável, de quem não quer camuflar erros e de quem valoriza aquilo ali. Respeito ao público, à mídia e à própria escola. Mesmo com os riscos, a Ilha se mostrou extremamente organizada na distribuição dos componentes dentro das alas e nos espaçamentos entre os grupos também. A exaltar ainda os adereços coloridos que complementaram a festa de pelo menos 80% das alas. Nesses pequenos agrados, nessas lembrancinhas é que uma agremiação se mostra maior, se mostra em busca de algo. Foi um ensaio plasticamente bonito, mas frio. Um simulacro do Carnaval 2013. Apesar de reconhecer mérito nas blusas de cores distintas e nos adereços, preferia uma Ilha vibrante, relembrando àquela saudosa insulana feliz.
 
ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA – Mangueira é Mangueira. Poderia encerrar assim essa análise que já estaria de bom tamanho, e certamente com mais profundidade do que qualquer outra já feita por mim. Querendo ou não, vindo com o samba que for, com o dinheiro que for, com a administração que for, a Mangueira é Mangueira. Energia similar experimentada só por quem já esteve no Maracanã, em dia de final, ou no coliseu numa batalha de gladiadores. Fora isso, não é comparável, foi mal. Ali, quem não é mangueirense, imagina como seria bom se fosse. Entra no clima, tem jeito não. Muita bandeira, muita amontoamento de fanático nas grades da frisa, é segurança te empurrando, os funcionários da LIESA aflitos, em prontidão. Mistura de tensão com excitação. Uma loucura. Amor de adolescente total. Gosto até da brutalidade dos homens de preto e vejo poesia no olhar dos bicões. Já entrei em festas aí nessa vida que sequer cumprimentei o aniversariante e o dono da casa. Para falar a verdade, nem os conhecia, inclusive. Aliás, não sei se ofendo, mas quem nunca foi bicão não tem história. Não vou aqui apontar o dedo para ninguém. Minha missão não é essa, de boa. Analiso com carinho a escola que vi passando. E vi uma Mangueira, de primeira, mal organizada e cantando de forma desanimada. Robótica e chata. O carro de som se aproximou e melhorou a parada, sob um canto efusivo do Luizito, espírito de mangueirense em plenitude. Na meiúca da Manga, vi a melhor ala desses 14 ensaios técnicos versão 2014. Caminhando pela pista, vou à cabeça da verde e rosa de novo, e falo da Comissão de Frente, que nada fez. Se propôs a marcar o tempo e realizar uma coreografia simples. O coreografo, Carlinhos de Jesus, por si só, tratou de nos empolgar, com seu sorrisão feliz. Simpatia pura o camarada. Raphael e Squel, no primeiro ano dos dois juntos, mandaram muito bem. Gosto dos dois. Casaram bem. Quem me conhece sabe que não sou nenhum especialista no bailar dos casais, mas o Raphael é um dos que mais me agrada. Ele tem a pegada. É a dança de raiz. O Mestre-Sala enquanto protetor, na base da rudeza, na virilidade. Eu olho pra ele e tenho a certeza que, se rolar alguma situação, ele vai proteger a Porta-Bandeira de verdade. Falei sobre as primeiras alas. Muito mal até mais ou menos o segundo setor. Os componentes, dali, foram marchando. Evolução pouco empolgada e com falhas na ordenação dentro das alas, e principalmente nos espaçamentos entre os grupos. O miolo foi emocionante. Superou até a Mocidade, neste momento. O samba funcionou, e acho que vai funcionar na sonorização completa da pista, no dia oficial, portanto. O “Oba, oba” é o melhor refrão do carnaval, e o ensaio reforçou essa percepção minha. E o sacode começa no verso “É carnaval estou aqui de novo”, que não sai da minha cabeça, desde a primeira vez que escutei em setembro. E o Ciganerey é fundamental nesse processo aí. O Luizito perde ritmo no decorrer do desfile, o que acontece com os veteranos, normal. Numa análise global, a Harmonia teve momentos apagados, sobretudo no primeiro setor da escola, e momentos esfuziantes, com o samba jogando os componentes lá pra cima. Oscilante. E a evolução começou mal e terminou um pouco melhor. Alguns buracos se formaram em dados momentos, o que preocupa, mas não alarma. A Mangueira teve problemas, mas me parece num bom caminho.
 
RANKING
 
1-Mocidade
2-União da Ilha
3-Mangueira