Ele analisa os ensaios de Cubango, Unidos de Padre Miguel e Caprichosos.
FOI DADA A LARGADA
A apoteose do carnaval 2014 foi inaugurada com a primeira noite de ensaios técnicos na Avenida Marquês de Sapucaí. Aliás, abençoado seja o homem que num estalo genial nos trouxe à origem popular do carnaval por essência. O carnaval 0800. Popular sem ser indigente. Os ensaios técnicos são, em síntese, o resgate de tudo construído lá atrás. É o pobre inserido. Em tempos de elitização, que o capitalismo pede e até exige, os ensaios técnicos incluem socialmente e faz daquela passarela o ápice da mistura, característica imaterial mais visível e valorosa da nossa folia.
E na abertura do carnaval, um domingo de praia, Maracanã e Sapucaí. Trilogia perfeita do Rio de Janeiro. E foi nesse cenário poético que a Acadêmicos do Cubango iniciou os trabalhos, sob a luz sol. E, claro, um público tímido para acompanhar a primeira escola. Na sequência vieram Unidos de Padre Miguel e Caprichosos de Pilares. Escolas que ensaiaram com mais platéia, certamente agregada pelos componentes da Cubango que foram para as frisas e arquibancadas.
ACADÊMICOS DO CUBANGO – A verde e branco de Niterói vinha gabaritada por um dos melhores sambas, não só da Série A, do ano. Para quem ouviu o samba na quadra, ainda na época das finais, sob a voz de Diego Nicolau, a interpretação de Marcelo Rodrigues na gravação do CD já não se apresentava das melhores. Na avenida, mais um retrato do que foi visto no CD, faltou pegada, principalmente na primeira do samba, aparentemente arrastada. O grande mérito de Marcelo foi firular menos do que costuma. Samba bom não precisa de cacos em profusão, e esse é um deles. O cantor teve sensibilidade para entender isso e repreender essa característica própria. Os erros do ensaio não me parecem advir da comunidade, dos componentes, e sim da musicalidade. O trabalho de Evolução da Cubango que costuma ser bom, em 2014 tende a ser ainda melhor, com a presença do consagrado Diretor de Harmonia Décio Bastos, campeoníssimo pela Vila Isabel. Das três que passaram foi a mais padronizada, a mais redonda. É escola para brigar pelo título, sim. Em 2013, a niteroiense foi uma das poucas injustiçadas na apuração das notas na Série A, ficando com um 11° lugar pouco condizente com o que a gente viu naquele sábado de carnaval. A Cubango poderia ter feito mais, no entanto, me parece que pequenos ajustes podem fazer a escola vir muito bem no dia oficial de desfile.
UNIDOS DE PADRE MIGUEL – Na estreia da vermelho e branco da Zona Oeste ensaiando na Sapucaí, uma prova clara do quanto essa escola já se estabelece entre as fortes da Série A. Intendente Magalhães parece um passado distante, e o Especial um futuro possível. Bom lembrar que em 2013, na desistência da Renascer de Jacarepaguá em realizar o ensaio técnico na Avenida, a Unidos pleiteou substituir a agremiação do Largo do Tanque. Mas o direito à vaga era da Alegria da Zona Sul, que fez questão de fazer valer seu mérito. Pois muito bem, um ano depois, Padre Miguel mostrou que tem chão, tem comunidade, tem viço e vigor. Um treino surpreendente, de gente grande, de quem briga por título. Sem acanhamento, a escola veio com um bom contingente. Marquinhos Art´Samba mais uma vez fez uma interpretação linear. O samba, de boa análise a priori, provou que funciona, que empolga. As alas, mesmo aquelas com menos referencial de Bateria e carro de som, cantavam o samba com dedicação. O trabalho a ser feito me parece em cima da evolução. O espaçamento de algumas alas era pouco uniforme. Em alguns breves momentos deu-se a impressão de uma certa falta de coesão na comparação de alguns grupos. Detalhe a ser trabalhado nos próximos dias.
CAPRICHOSOS DE PILARES – Reconhecidamente uma escola que sabe desfilar. Característica histórica da Caprichosos. E nesse ensaio técnico mais uma vez foi visto isso. Logo no esquenta um “Tem bumbum de fora pra chuchu” samba lendário e de alto teor popular, e o melhor, na voz de um Thiago Brito inspiradíssimo. Esse foi o convite perfeito à catarse dos componentes. Na sequência, Thiaguinho iniciou o samba 2014 com o refrão e deixou aos desfilantes a responsabilidade de cantar o restante. Relembramos 1983, um show, para delírio do Setor 1. E assim entrou a azul e branco para o ensaio. O samba apenas correto até então, se transformou numa obra para lá de empolgante. O trecho “A Lapa ainda mais bela” traz consigo o erguer de braços e batidas de palmas, responsáveis diretos por uma boa comunicação com o público, e ao visto, bem ensaiado nas terras de Pilares. A comunidade, claramente feliz, gritou o samba. Das três foi disparada a que mais cantou e vibrou. Ensaio feito com a alma, como se nos quisessem provar que eram imbatíveis. Carro de som em perfeita harmonia nos trouxe um Thiago Brito cantando com brios, imerso naquela sinergia. Sem timidez, maduro. Nova Caprichosos, ou velha Caprichosos, não sei. Vi a Caprichosos de sempre. Brincando, sem se militarizar, curtindo estar ali, aproveitando os escassos minutos para cantar e brincar. Descompromisso evidente dos irreverentes. A empolgação de início foi tanta que percebemos o cansaço expresso no rosto de alguns componentes na reta final. Faltou presença maior dos “harmonias” para organizar melhor as últimas alas da Caprichosos que, em meio à festa, se perderam na ordenação. A lamentar ainda a Comissão de Frente. Apesar de muito bem ensaiada e coreografada pelo craque Hélio Bejani, ela não veio caracterizada, como as comissões de Cubango e Padre Miguel vieram. Pode não parecer um detalhe merecedor de destaque, mas vejo como uma forma, mesmo que leve, de desvalorizar o espetáculo. Por resumo, a Caprichosos bateu no peito e se proclamou grande nesse domingo.