Enredo de Cid Carvalho será sobre a cidade de Cuiabá.

 

 

Confira a sinopse:
 
Ideia Original e Carnavalesco: Cid Carvalho
Pesquisa e Texto: Marcos Roza
“Cuiabá: Um Paraíso no Centro da América!”
 
Ouçam o apito da sirene que indica que o trem verde e rosa vai dar a partida. Não cuiabanos! Não se trata da máquina de ferro e aço que há 150 anos é esperada ansiosamente; mas, quando a cortina de fumaça dos fogos de artifício se abrir e a penumbra se dissipar, todos entenderão que o sonho é a verdadeira vitória sobre o tempo. Alegrai-vos cuiabanos de tchapa e cruz1 e de coração. O tempo da espera acaba aqui e agora! Todos a bordo, acomodem-se. Olhem através das janelas de suas almas e vejam, a cada estação, a memória cuiabana em desfile. Por alguns instantes, deixem-se levar pela imaginação; não como alguém que se perdeu no tempo à espera do trem, mas com a sabedoria daqueles que fazem do tempo o combustível que alimenta a esperança.
 
Estação Primeira: Mangueira.
O trem está em movimento e os músicos mangueirenses fazem rufar a Bateria Surdo Um. Há uma apoteótica celebração de boas-vindas. Personificado na “lúdica permutação dos nomes próprios em apelidos 2”, eis o maquinista dos versos: Mestre Jamelão. O nosso eterno intérprete de sambas-enredo dá o tom à memória dos "gênios anjos mangueirenses"- Cartola, Carlos Cachaça, Zé Espinguela, Nelson Cavaquinho, Dona Zica, Dona Neuma, Mocinha, Xangô da Mangueira entre outros, que, juntos, saúdam e convidam todos os presentes a embarcarem nesta viagem rumo ao "Paraíso no Centro da América". Partindo da Estação Primeira, o trem mangueirense percorrerá os trilhos da história da "Cidade Verde", a capital do Mato Grosso, e revelará para o mundo, tal qual o antigo sonho de integração, este deslumbrante rincão fincado no coração do Brasil. Cuiabá, também conhecida como a Cidade Verde, a partir de agora, passará a ser chamada de Cidade Verde e Rosa!
 
Estação: Eldorado.
Como se emergisse das cristalinas águas dos rios, com sua imponente farda, “General Saco”, habitante do reino das riquezas, recebe a nossa composição. Celebra nossa presença com a história de fundação de Cuiabá.
 
Nomes havia muitos para a mesma situação: negro sabre, branco espada, índio tacape, flecha e facão. Mas é no garimpo que se miscigenaram, num só princípio de unidade geral, construindo da geração espontânea de cada célula que se agrega e vai dando subsídios ao nascimento de uma consciente e sólida civilização.
 
Desbravam o fabuloso espaço fluvial-lacustre habitado por criaturas fantásticas, guerreiros indígenas e enfeitiçados pela farta quantidade de ouro encontrada; imaginam-se no cobiçado Eldorado, um lugar onde tudo era de ouro e pedras preciosas, até mesmo os nativos, os bichos, as flores e as frutas, segundo relatos dos próprios Bandeirantes.
 
De invasão em invasão, uma audaz expedição ficou na memória. Pascoal Moreira Cabral escreve a epopeia da nossa história:
 
Parte à frente de uma Bandeira
E de Tordesilhas
Rompe a linha divisória...
Descobre ouro às margens do Rio Coxipó,
Funda, em 1719, o primeiro povoado português,
Cuiabá.
Uma só essência! Terra boa e altaneira.
Não importam mais os maus tratos de uma fúria transitória,
Cuiabá orgulha a pátria brasileira,
ostentando imortal passado de glória.
 
Estação: Mitos e Lendas.
Nossa composição segue pela penumbra das matas... Recebidos por “Antônio Peteté”, andarilho de vida pacata e dono de um leque fabuloso, nos conta sobre os causos cuiabanos.
 
Há muito tempo ouve-se falar na presença de um monstro em forma de serpente, chamado minhocão, que habita o rio Cuiabá. Relatos vão de simples aparições até contatos da embarcação ou táteis com o ser, como tocar a canoa na cobra ou descer em seu lombo, pensando ser terra firme.
 
Por esse mundão cuiabano, vaga uma cobra de fogo que assombra as pessoas, conhecida como Boitatá e tem também um velho índio, que se transforma em pássaro encantado ao anoitecer - o Tibanaré. Já nas matas virgens e no cerrado, mora uma criatura que só tem um pé, o Pé-de-garrafa. E se, em uma noite sem lua, você se encontrar com uma mulher vestida de noiva perambulando pelas ruas cuiabanas, afaste-se, porque é o fantasma da Dama de Branco.
 
Entre lendas e mistérios, quem nunca se arrepiou ao saber, depois de comer a cabeça do pacu4, que uma das suas virtudes é ser casamenteiro? Ou quem não saiu em busca de novos desafios à procura da perdida “mina dos martírios”? Pois bem, abençoados pela Mãe d’Água, tudo isso faz parte do nosso imaginário popular. É tudo cultura, como em toda literatura, e cuiabana é a sua assinatura.
 
Estação: Arte e Sabor
Declamando um poema de amor, lembramo-nos dos tempos de menino... “Joga peteca, salta ioiô”, o trem da Mangueira apresenta o artesanato e a culinária brincando com “Zé Bolo Flor”.
 
Na cerâmica e no traçado, como em todo o artesanato e no chão simples da rua que a vida chega pra se mostrar, se come, se bebe, se dança, a vida é uma festança em cada feira popular. Expõem nas janelas: redes, mantos, caminhos de mesa, cativando quem passa pra namorar ou comer um doce chamado furrundu, de sabor tão peculiar.
 
E olha que a criatividade não é pouca! Se não pega pela arte, nos seduz pela boca. Haja fome, meu irmão, o cardápio é indicado – nem falo da farofa de banana ou da mojica de pintado. Nem da paçoca de carne seca, muito menos do maxixe recheado – que, aí, seria um pecado. Em Cuiabá, a alimentação é sagrada: come-se de tudo, não tem conversa fiada. Duvido que alguém resista à cajuada, ao arroz de pequi, ou à saborosa cabeça de boi assada.
 
Estação: Festas de Santos.
Sob o “arco da iluminação”, aportamos. Curandeira de mão cheia, “Mãe Bonifácia”, organiza o muxirum5 para início dos festejos. Redenção! Goza o povo de um amor à divina celebração. Fazem da crença uma confiança obstinada e, da reza, um canto em homenagem à Festa do Divino Espírito Santo de Cuiabá.
 
Com a pureza no olhar, pedem a benção a Bom Jesus, o padroeiro do lugar. Em procissão, louvam São Benedito, como crença de sua devoção... Festeiros, esmolas, bandeiras, cerimônias do mastro, procissões fluviais enlaça-nos em tal predestinação. Depois da promessa, não há quem resista à tamanha tentação. Seguem os cortejos da queima de fogos e dançam quadrilha de São João.
 
Um momento precioso!
Dançam o “São Gonçalo”, como parte significativa da religiosidade rural, onde o santo é um deus infinito que lava as dores e enxuga o pranto. Ecoa das violas de cocho, das batidas do mocho e do ritmo do ganzá, a genuína musicalidade cuiabana. No registro do saber, o povo se mistura num tempo puro e sem pecado. Na dança e no canto, quem gira chega dando seu recado - com o cururu, siriri e rasqueado.
 
Sucede que as festas de santo têm lá seus mistérios... Nelas misturam-se o laico e sacro numa simbiose natural - danças, rezas, músicas, brincadeiras e religiosidade. Inspirados, e bem na hora da partida rumo à próxima estação, chegam os mascarados com suas vestes coloridas, dançando em torno do mastro, o “trança-fitas”.
 
Estação: Portal do Paraíso.
Um momento: siga um conselho e tome fôlego antes de prosseguir. Pronto! Lá vamos nós! Há “tanta vida, tanta história, que não foge da memória a fonte de tanta beleza. É a terra, é a gente, é tudo aquilo que Deus criou e que se chama natureza”.
 
Mareja-nos o olhar ao avistarmos um místico mosaico geometrizante: ferruginosas franjas das bordas dos desfiladeiros, misteriosas cavernas e inscrições rupestres reveladas em sítios arqueológicos, cachoeiras de águas cristalinas e até mesmo um casal de araras vermelhas sobrevoando o céu, fazem da Chapada dos Guimarães um louvor à obra do Criador.
 
Adiante, uma revoada de tuiuiús - ave símbolo do Mato Grosso - nos conduz a um passeio pela fascinante biodiversidade e à extraordinária vida selvagem do Pantanal. Se alguém ainda acha pouco para justificar a alcunha de “Um paraíso no centro da América” a Cidade Verde ainda se dá ao luxo de ser o Portal da Amazônia! É neste cenário paradisíaco, de odores edênicos, que a Mangueira canta e se encanta:
 
Glória aos teus tesouros,
Ao teu cintilante céu azul!
Bendita sejas, terra amada.
Cuiabá, tu que és do meu Brasil a pérola engastada
Em pleno coração da América do Sul.
 
Estação: Mandem lembranças ao Futuro!
Chegamos a nossa última parada e imediatamente uma negra esguia e defensora de nobres ideais ergue a voz e diz: Olhem pra frente e além dos muros, Cuiabá é uma cidade a caminho do futuro! É a “Maria Taquara”.
 
“O conto que a gente canta é a história que o povo faz”. Cuiabá reinventa-se como recanto laborioso de seu povo, o mesmo povo de espírito comunitário, que ficou isolado durante anos das principais capitais do país e tornou-se adulto, podendo ser criança. Da lembrança dos “quintais com mangueiras”, de tomar guaraná ralado à beira de um córrego à sombra de um acopari, de soltar “pandorga6”, “finca-finca”, “busca-pé” e “trique-trique” com a boca suja de pixé7, erguem-se, nessa terra de sol escaldante, indestrutíveis riquezas, tecnologias inquestionáveis à frente de sua crescente economia.
 
Cuiabá é a “cidade das oportunidades” que se desenvolve combinando tradições com progresso. Desta terra emana uma energia contagiante... Feita, sobretudo, da confiança no futuro e do calor humano bordado na alma de sua gente. Todos juntos por Cuiabá: evidenciam a sua crença e preservam a esperança de continuidade de uma cidade que continuará evoluindo e atendendo às necessidades de todos os que vivem nela.
 
Unida e de braços dados com a Mangueira, se orgulha e se prepara para receber o maior evento esportivo do planeta: a Copa do Mundo de 2014. Multiforme e heterogênea, nos deixa o legado de que o futuro é aqui. Suplantada por “alegorias-indústrias” descobre a fórmula mágica para sua industrialização: a sustentabilidade! Não à poluição, compromisso desta nação.
 
O final da nossa jornada sempre será o início para os que têm sensibilidade.
 
Cid Carvalho, carnavalesco.
Marcos Roza, pesquisador de enredos.