Tema será sobre as novelas do Horário Nobre.

 

 

HORÁRIO NOBRE
(das 8 ou as 9, é sempre 10!)
 
''Tira o telefone do gancho, a gente se vê depois da novela.
Não estou, não aceito convite, que ninguém fale comigo.
Quero lagrimar, sorrir, torcer pelo par romântico, felizes para sempre!''
 
No ar: novela e desfile de Escola de samba, dois triunfos da brasilidade que rodam o mundo inteiro, como gloriosas narrativas artísticas e populares, rituais que constroem a identidade do povão brazuca: ''Tamos'' juntos e misturados, porque não importa quem seja – patroa ou empregada, vovô ou netinho; preto do asfalto, branco da comunidade; na taba indígena, do Oiapoque ao Chuí, todos nos procuramos e nos reconhecemos na mais legitima arte verde e amarela, carnaval e folhetim.
 
Então vem comigo, me acompanha porque hoje eu sou novela: o ibope da São Clemente não para de crescer porque ela não desliga nunca! De folhetim em folhetim, há quase cinquenta anos, ouve-se ''silêncio no estúdio, gravando''. Pois agora vai ser ''barulho no estúdio, sambando! Valerá a pena me ver de novo.
 
Tem abertura, ações paralelas, história central. A trama novelesca é um repertório de clichês, porque a vida sempre imita a arte deste espelho mágico: o golpe da barriga, a criança prodígio, a mocinha sofredora que vive sorrindo, metade do elenco trabalhando numa empresa familiar, e na beira da morte o segredo é revelado – a rica enjoada é teúda e manteúda, o bofe é tábua que leva prego, o tipo que parecia honesto é o maior corrupto. Vale tudo, desde que tenha empatia, pegue, emplaque! Tem estória de riqueza e pobreza, pode ser moderna e retratar o passado, pode ser num tempo que ainda não existiu, ou um reino que jamais existirá; tem pescador do litoral ou vaqueiro do interior, gente do campo, da cidade. Arquétipos que não morrem, eternos que são em nossos corações: personagens que até acabam, mas não desaparecem nunca! Viva tantos conhecidos amigos que habitam a memória emocional tupiniquim, porque todos nós temos em nossas famílias, alguém que é a cara do personagem daquela novela, como era mesmo o nome? Seja pelo carisma que despertou, por uma tirada cômica ou até pela maldade extrema, tudo termina bem, porque a gente vai sempre se ver por aqui.
 
Uma emoção plimplinizada na Sapucaí, que hoje vira telinha de fábrica de sonhos: anunciando que vem aí mais um campeão de audiência, nossa Escola samba o produto que mais faz a cabeça do Brasil, em credibilidade e legitimação, pois além, de assistir, a gente repete que nem papagaio o bordão da novela que gruda que nem chiclete, donde se conclui que isso não é brinquedo, não: em todas as esquinas é ''inshalá, muito ouro!'' pra cá, ''na chon'' pra lá. Tô certo ou to errado? Tô podendo... E quem fala, se veste, se penteia e se maquia igual aos habitantes deste mundo mágico (quase real), que lança moda transformando milhares de cidadãs em Jade ou Maya (dá-lhe lápis de olho e rímel para marcar os olhos) que vão expor seus corpos na Medina ou em Saramandaia Malta. É só dar uma olhadinha na barraca do camelô: não esqueça salto alto e meias de lurex para ir a Discoteca, porque se o figurino da TV ganhou as ruas, é sinal de que a trama ''vingou''.
 
Se é para citar alguns, rápido vem a cabeça: o Brasil e um Bataclã, Sucupira é Brasília e Odorico Paraguassú mora no Congresso Nacional! João Coragem ficou com qual das três Glória Menezes? Ravengar tem caso com a Rainha Valentine? Gabriela não podia ter traído Seu Nachib; Ih, a Perpétua é Careca, Tieta arrancou-lhe a peruca; Natasha era uma vampira muito gostosa, e Isaura, uma escrava que nasceu branca. E pela última vez, quem matou a praga da Odete Roitman ou o querido Salomão Hayala? É que sem um bom vilão não tem namoradinha do Brasil que sobreviva, porque maldade e bondade são irmãs gêmeas (tipo Rute e Raquel) deste universo verossímil, ainda que nele, a gorda Dona Redonda possa explodir, e muita gente voltar da morte.
 
Como será que termina? O último capítulo é um frisson nacional, a opinião pública mobilizada com todo Brasil parado diante da televisão: vilão castigado (morre, enlouquece, se arrepende ou foge) e cena de casamento do mocinho com a heroína (só podem ficar juntos no final). Todo brasileiro tem um pouco de autor de dramalhão, até desconfia como termina, mas isso não tem a menor importância. As cenas da próxima novela mostram que na segunda-feira começa tudo de novo, e não percam o primeiro capítulo.
 
Somos os filhos de Janete e Dias, sobrinhos de Ivani!
 
Tomara Deus, o Beato Salú e a Venus Platinada, que nunca deixaram de nascer os maravilhosos autores. Semeadores do sonho, são criadores que democratizam as questões urgentes para o nosso povo (drogas, aids, trabalho infantil, coronelismo, reforma agrária, corrupção política, minorias, racismo etc), e ajudam essa galera a compreender sua maravilhosa gênese de ser: tudo brasileiro noveleiro, cujas vidas são obras em aberto, assim como as novelas.
 
Milton Cunha, a partir da ideia de Roberto Almeida Gomes.